'Superauditoria' sobre emendas Pix termina com só 12 municípios

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A CGU (Controladoria-Geral da União) finalizou duas auditorias ordenadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sobre as transferências especiais, conhecidas como emendas Pix, em municípios e estados da federação.
O resultado mostra que, mesmo com a obrigatoriedade da aprovação de planos de trabalho para indicar no que o dinheiro será utilizado, ainda não é possível fiscalizar a aplicação desses recursos em boa parte dos casos.
As transferências especiais foram criadas em 2019 para agilizar a execução de emendas. Ganharam seu apelido porque funcionam como um Pix: o dinheiro sai da conta da União imediatamente para os cofres do município ou estado.
A princípio, não era preciso dar detalhes do que seria feito com o dinheiro. Esse entendimento mudou após pressão de ONGs e da imprensa, que apontaram que a falta de transparência poderia levar a irregularidades.
Em fevereiro de 2025, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou o cadastro obrigatório de planos de trabalho prestando contas de como as emendas serão gastas e mandou a CGU auditar os 644 casos em que os entes públicos cadastraram os planos com atraso.
O ministro Flávio Dino, relator do caso, determinou também que a CGU auditasse 126 planos de trabalho para verificar se a verba foi corretamente aplicada. Para ambas as fiscalizações, o prazo foi de 60 dias.
O escopo das auditorias, porém, foi bem menor. Alegando dificuldades operacionais, a CGU mirou nos três municípios sem plano aprovado com os maiores valores de transferências e nos nove com planos aprovados.
Irregularidades
Entre os três municípios com planos de trabalho entregues com atraso, todos apresentaram irregularidades, segundo a análise da CGU.
A Prefeitura de Axixá do Tocantins (TO), que recebeu R$ 5 milhões por indicação do senador Eduardo Gomes (PL-TO), não respondeu à CGU sobre o que fez com o dinheiro. No plano de trabalho, disse que fez uma obra de pavimentação.
A CGU analisou, então, a obra de pavimentação realizada no mesmo ano, 2023. Na licitação, três participantes fizeram propostas com R$ 1 de diferença, indício de combinação de preços, e a primeira colocada depois desistiu do contrato.
Depois, o contrato foi aditivado com serviços que já constavam no pregão, configurando um sobrepreço de R$ 873 mil, segundo a auditoria. Os documentos foram considerados insuficientes para comprovar se o serviço foi prestado.
O senador Eduardo Gomes afirmou que destinou emendas a todos os municípios de Tocantins e que cabe aos órgãos de controle, como CGU e TCU, fiscalizar a boa aplicação dos recursos públicos.
Em Sítio Novo do Tocantins (TO), foram constatadas execução de obras e serviços em desacordo com o previsto no plano de trabalho com uma emenda de R$ 5 milhões enviados pelos deputados Antonio Andrade (Republicanos-TO) e Dorinha Seabra (União-TO).
O município negou qualquer irregularidade e destacou que, como disse também à CGU, "os gastos efetuados foram feitos a bem das políticas públicas executadas no município de Sítio Novo do Tocantins e de sua população".
"E a execução dos gastos está contemplada no objeto e finalidade do plano de trabalho, que é a melhoria do urbanismo e da infraestrutura urbana da cidade."
A senadora Professora Dorinha disse que "respeita todas as normas de transparência e controle". "A competência do parlamentar é de indicação da emenda respondendo a uma demanda democrática. Já o acompanhamento e monitoramento da execução da emenda é de responsabilidade do ministério da área correspondente", afirmou, em nota.
Em Balneário Gaivota (SC), que recebeu R$ 3,4 milhões por indicação de Daniel Freitas (PL-SC) em 2024, foi identificado um superfaturamento de R$ 285 mil pelo pagamento de obras de pavimentação que não foram executadas.
Com plano, mas sem informações
Em Arari (MA), segundo o plano de trabalho, teria sido feita restauração de estradas vicinais com R$ 1,25 milhão recebidos por indicação do líder do União Brasil na Câmara dos Deputados, Pedro Lucas Fernandes (MA), em 2023.
A CGU não conseguiu verificar a aplicação do dinheiro. Houve uma mudança de gestão, e os atuais administradores disseram que o dinheiro foi dividido entre várias contas, misturado a recursos de outras fontes.
"Percebe-se que esses créditos se misturam com outros saldos, o que inviabiliza qualquer tentativa racional de se identificar como foi o gasto específico desses créditos da transferência especial", diz o relatório de auditoria.
Dos demais municípios com planos aprovados, quatro ainda não haviam iniciado a execução dos gastos e outros quatro haviam. Nesses quatro em que foi de fato realizada uma auditoria, dois apresentaram irregularidades.
Um é Epitaciolândia (AC), que recebeu R$ 3,3 milhões em 2023 por indicação de Mara Rocha (MDB-AC). O município afirmou que o objeto era a restauração de pavimentação asfáltica, com drenagem, meio-fio, sarjetas e calçadas.
A verba foi depositada na mesma conta em que eram recebidas outras emendas. "A situação dificultou a identificação dos pagamentos, mas não a inviabilizou", já que a prefeitura apresentou gastos que correspondiam ao valor da emenda.
A prefeitura, porém, usou o dinheiro para firmar um contrato com uma empresa que já foi aditivado três vezes para um "serviço contínuo" de pavimentação — ou seja, um contrato guarda-chuva, cujos serviços estão sempre aumentando — e um contrato de manutenção predial aditivado uma vez.
Segundo entendimento do TCU (Tribunal de Contas da União) citado pela CGU, obras de pavimentação não podem ser tratadas como serviços contínuos. O município não comprovou por que seria vantajoso continuar com os contratos.
Os documentos entregues pela prefeitura para comprovar que os serviços foram prestados também foram considerados insuficientes, com erros materiais e falhas.
A deputada Mara Rocha disse ao UOL que, entre suas funções como parlamentar, está a destinação de verbas para estado e municípios. "A responsabilidade da aplicação dos recursos cabe ao gestor e sua equipe."
"Se a auditoria da CGU identificou irregularidades na aplicação de R$ 3,3 milhões em emendas indicadas por mim para aquele município, sou totalmente favorável que os responsáveis sejam punidos com rigor."
Em Caaporã (PB), uma obra realizada em uma praça está sendo executada em desacordo com o projeto aprovado, sem os banheiros públicos previstos, por exemplo, e com materiais diferentes daqueles estipulados.
Em quatro dos nove órgãos públicos analisados, não havia uma conta separada para recursos das transferências especiais, como determinou o TCU: estado de Mato Grosso, Arari (MA), Epitaciolândia (AC) e Zabelê (PB).
Os demais municípios e parlamentares citados não responderam ao contato da reportagem. O espaço está aberto para eventuais manifestações.
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